sexta-feira, 23 de abril de 2010

Traição pega pelas pernas

Traição pega pelas pernas, joga no chão, puxa o cabelo, faz o que quer, com quem desejar. Traição desatina, desconversa, dá salto, passo, pressa. Traição enlouquece.
Abre a janela, acende dois cigarros, três, insônia. Coloca uma música um pouco mais alta pra não ouvir suas besteiras, olha de canto para evitar o espelho, lê poesia, conto, carta, placa.
Traição mostra o sol, o céu, a noite, sonha na madrugada. Acorda aflita, precisa, insone, liga tv, passos nas ruas, um cigarro, mais um. Traição, pecado não.
Paixão traição. Lágrimas, amor. 

***



E traição é pecado? Depende. Depende do que você considera traição, depende de como tudo aconteceu. Mas depende, principalmente, do contrato que vocês estabeleceram, verbalmente ou em silêncio. Todo relacionamento tem um contrato. Alguns já combinam de cara: somos um do outro e ninguém mais tasca. Outros deixam as coisas no ar: uma demonstração de ciúmes aqui, uma ceninha ali; e daí, quando percebem, estão ali aquelas restrições que parecem existir desde o início.
Se houve contrato muito bem compreendido e assinado por ambas as partes, traição é pecado sim. É pecado por não respeitar aquilo que foi combinado, e é pecado mesmo por fazer o outro sofrer. Mas para todo pecado há perdão, e se somos feitos de carne e osso, temos que aceitar que os outros também são.
Existe uma porção de ditados que combinam com traição. Alguns servem até para justificar a danada. Não é fato que a ocasião faz o ladrão? Pois quem é que resistiria se, numa noite de chuva, ficasse preso no elevador com aquela vizinha gostosona que vive dando mole? Ou com aquele bonitão, todo gentil, do andar de baixo.
Eu digo que traição de ocasião (podemos chamar assim?) não é pecado. E se for, merece perdão, porque se condenarmos estes casos, condenaremos também a luxúria. E sobre ela, já há um consenso aqui: é de todos o pecado mais comum, aquele que todo mundo tem, assumido ou não.
Podemos considerar também que, para ser traição, é porque foi maldoso e fez mal a alguém. Fosse diferente, não levaria esse nome. Seria um caso perdoado, um deslize, qualquer coisa. Mas  aconteceu de virar consenso: caso, deslize, até olhadinha torta ou conversa mal intencionada leva nome de traição. Então, é muito importante não complicar: olhar para o lado todo mundo olha, e nisso não há pecado algum. Falamos aqui de traição com gosto, coisa de gente grande: pegar na mão, olhar nos olhos, beijar na boca e querer mais.
E é ai que mora o problema: no querer mais. Aconteceu uma vez, não deu pra segurar e arrependeu: deslize. Quer fazer de novo, mas não quer que ninguém saiba: mentira, enganação. TRAIÇÃO. Você tem certeza de que o outro, aquele com quem você tem o contrato, não vai aceitar de jeito nenhum. Ainda assim, você quer. Desejos existem, eu sei. Mas machucar uma pessoa, isso sim é um pecado. É aí que fica o lado feio da traição. A saída, nesse caso, não é simples. Exige coragem, mas resulta em respeito.
          Pra não haver mal entendidos e fins trágicos, certo mesmo é deixar tudo claro, desde o início. E entender que somos todos humanos: carne, osso, sangue e tesão. Muito tesão.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Promessa de Luxúria

Promessa de Luxúria conta, menina. Conta, descreve, desatina, poetiza como se seus olhos encantassem os meus na distância que existe entre nossos pecados.
Promessa de Luxúria é promessa viva cortando a pele em desejo, em lamúria, em contraste poético.
Promessa de Luxúria mantém de olhos fechados a Ira perdida num outro canto qualquer esperando que saia dos lábios vermelhos um pouco mais da alma, do silêncio, do sexo.
Promessa de Luxúria escrevo para manter vivo o encanto.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Peco em trecho

Peco, peco porque sou vadia. Porque fumo, bebo, grito, choro, desespero, enlouqueço, esqueço, guardo, deixo, finjo. Por tudo peco.
Peco pelo ridículo, pelo estranho, pela aparência, pela negligência, desistência, pela paciência.
Onde é que vou me perder? Pra onde é que vou me levar?
Peco, peco, peço, me deixe pecar. Não há nada de errado comigo, não há nada. Há tudo, tudo existe dentro de mim. Tudo pode existir.

segunda-feira, 8 de março de 2010

A vaidade é mulher

Se você fechar os olhos e eu soprar no seu ouvido a palavra vaidade, o que é que você visualiza? Um homem elegante, penteado, arrumado? Tá bom. Sei bem que o que vem em sua mente é uma mulher. Talvez nua, sentada de lado, penteando os cabelos. Talvez em pé, olhar fixo no espelho. Mulher.
A vaidade é feminina, é do mundo delas. É aquela coisa que não se contém e grita. Há quem a confunda com orgulho, ledo engano. O orgulho, homem da relação, é aquele que calado admira seus feitos. A vaidade demonstra, alegra, instiga. Sem querer, tira o sono da inveja.
Mulher é assim: não se contém. Seja na dor, na alegria, no ciúme ou na beleza. Mulher quer mostrar, seja brilho ou lágrimas nos olhos.
Reconheço que há as mais contidas, mas nunca vi mulher que não chore, mesmo sozinha, num canto. Não há mulher que não sorria ao estar feliz. Mulher transborda.
E quando a beleza não cabe no peito, precisa transbordar em cores, olhares, cabelos e vestidos. É aquele jeitinho de amenizar as tristezas, de deixar tudo suave, de fazer o dia ser bonito. O orgulho da vaidade é ser mulher. O mundo agradece.

A luxúria tem a forma de uma mulher...

E isso não pecado.

Eu não poderia ter outro corpo, nem outros contornos. Porque só uma mulher consegue escrever nas próprias curvas o que realmente procura e o que realmente quer.

Eu tenho seios, de todos os tamanhos, porque só os seios de uma mulher conseguem responder que sim (ou que não) a um toque. Porque os seios não vão saber mentir, nem quando os olhos se esforçarem para isso.

Eu tenho a forma de uma mulher nos meus cílios, mais longos, mais bonitos e que sabem o momento certo de diminuir ou aumentar a velocidade com que piscam. Eu sou mulher nas minhas sobrancelhas que contornam meus olhos e devolvem, como um tiro, qualquer indignação que venha de encontro ao meu rosto.

Eu sou a cintura de uma mulher que se aceita na condição de cintura, o lugar onde as suas duas mãos repousam e me conduzem, sem saber que na realidade são conduzidas e que eu, como mulher, sei lançar mentiras carinhosas para povoar os seus sonhos e melhorar as minhas noites.

Eu sou mulher nas minhas unhas, porque a Luxúria precisa arranhar e deixar marcadas as costas de quem deixá-la de costas e de frente para o mundo. Eu sou mulher na maciez do meu corpo, dos meus cabelos, no cheiro das minhas pernas e do meu suor. Sou mulher da mancha que eu deixo nas pessoas, de batom, de saudade, de desejo. Eu sou mulher em todas as terminações do meu corpo que trabalham juntas pro meu e pro seu prazer e não se esquecem e nem se abandonam.

Eu sou mulher em orgasmos múltiplos. Em sonhos múltiplos. Em amores múltiplos. Em humores múltiplos.

Eu só poderia ser mulher… eu tenho a forma, os medos e avidez insaciável de uma mulher. E isso não é pecado, só um convite.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010


Traição é quem deveria ser pecado capital, estadual, espiritual, tanto faz. Como posso eu ser pecadora em ira se me acertam inesperadamente sem qualquer defesa? Sou louca, hiperbólica, extremista, ira, sou sim. Sou o não, a o tremor, o nervo, mas sou.
Sendo acredito que qualquer um outro, ainda que mais sensato, seja também. Não se ilude quem é, mesmo sendo eu. Não escolha ser para quem quiser sem que eu, no auge de minha ira, possa também escolher.
Depois dizem que a ira é cega. Digo-lhes, porém, que cega nunca fui. Ando somente sentindo com olhos, deixando que me sintam também inteiramente nua, inteiramente ira.
Loucura são esses pecados espalhados por aí vestidos de tantos panos e tantas faces, embriagados de tantas palavras vazias. Loucura.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Beco de três mãos


O beco era o mesmo de tantas idas e vindas de rostos encantadamente peculiares. Uma única luz dava alguma visão nas primeiras pedras alinhadas com duas ou três casas nos arredores. Poucos passos à frente a única visão vinha do brilho da lua, quando tinha.
Ela estava lá, não cheia, mas lá. Elas se encontraram. Uma tinha ido experimentar o primeiro ar puro do dia, o silêncio, os pensamentos. Outra quis o céu como testemunha para o último cigarro do mês, outra foi, apenas, sem alimentar nenhum motivo aparente.
Olharam para a lua simultaneamente sem saberem, a princípio.
Ela sentou numa das pedras justaposta à outra; ela acendeu um cigarro ainda de pé; ela apareceu dando os últimos passos.
Escolheram não se olhar, não precisaram, quem sabe. Ainda com o cigarro aceso ofereceu um à da esquerda, entregando mais um à que chegava à direita.
Três tragos foram sentidos numa desarmonia tão harmoniosa não sentida há alguns meses, anos para hiperbolizar. Tanto fazia ali, diante de tantas estrelas.
Trialogavam no silêncio costumeiro dos becos não tão perdidos assim como se não fosse preciso ir além. Não era preciso.
Ela respirava a melancolia dos amores, de seus porres, suas mulheres. Ela exalava o intenso dos seus amores, seus sexos, seus homens e mulheres. Ela descrevia as trivialidades sentidas por aí, dessas que a gente esquece de reparar.
Não sabiam se estavam no começo, se já se habituavam no futuro, ou se, apenas, apreciavam o presente.
Ira, Luxuria e Vaidade escolheram não se olhar, nunca precisaram.